A paraibana de Uiraúna, Luiza Erundina tem os dois pés – com quatro rodinhas – nas pratas históricas de Kelvin Hoefler e Rayssa Leal, a Fadinha, na estreia do skate street nas Olímpiadas de Tóquio 2020, que estão acontecendo no Japão. Foi ela, enquanto prefeita de São Paulo, que fez uma revolução no esporte das rodinhas e manobras radicais na década de 80. O esporte só é o que é hoje, graças a força revolucionária e popular de Erundina.

Para entender bem essa história, é bom fazer um flashback. Vamos lá.

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Na década de 80, São Paulo já pulsava a cultura do skate há 20 anos, porém skatista era sinônimo de marginal. O principal ponto de skate street – modalidade disputada pelos brasileiros com direito as pratas – era o Parque do Ibirapuera, onde funcionava a sede da Prefeitura de São Paulo naquela época.

O prefeito era Jânio Quadros, que não gostava dos skatistas. Os jovens eram mal vistos pela elite e tachados de “baderneiros e vagabundos”. Por volta de 1986, a Polícia Militar chegou a apreender quatro skates – isso mesmo, apreendeu skate – no Parque Ibirapuera por ordem de Quadros.

Em 1988 os ares se tornaram cada vez mais bélicos entre a gestão municipal e os skatistas. Jânio Quadros não aguentou a pressão. Na mesma linha do que já havia feito enquanto presidente do país, quando proibiu biquíni em concurso de miss e lança-perfume em Carnaval, ele deu a cartada final para o início da revolta desportista: proibiu oficialmente, por meio de lei, o skate no Ibirapuera, exatamente em agosto de 1988. Estava decretada a “guerra”.

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Os skatistas organizaram protestos para negociar a construção de uma pista pública no local para a prática do esporte. Nada feito.

A censura ficou maior. Após a onda de protestos dos jovens esportistas, Jânio Quadros proibiu o skate em toda a São Paulo. De acordo com historiadores, foi uma decisão baseada em critério nenhum, sem base legal e meramente pessoal por parte do gestor.

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A perseguição

O caso virou perseguição, com resquícios de Ditadura Militar. PMs passaram a perseguir jovens skatistas, com armas engatilhadas e apavorando-os ruas afora.

Conforme artigo de Leonardo Brandão, que fala sobre a história do skate em São Paulo durante o período Quadros-Erundina, o próprio Jânio chegou a dar um enquadro em skatistas e apreender o equipamento de um deles.

Entretanto, a história ganha um plot twist. Nesta época, Quadros fica fora do comando de São Paulo, a maior metrópole da América Latina, e surge Luiza Erundina, sua opositora, assumindo a prefeitura paulistana.

Erundina radical

Astuciosa e afeita ao diálogo, em meio as eleições Erundina viu na polêmica simplista e desnecessária de Jânio Quadros um caminho de articulação. No caminho inverso, ela se aproximou dos skatistas e prometeu revogar a proibição assim que assumisse a prefeitura, caso ganhasse.

Luiza Erundina on Twitter: "O skate é livre! 🛹 Luiza Erundina recebendo em São Paulo, a turma do skate board. Imaginar que um dia a prática foi proibida na cidade de SãoGanhou. Numa surpresa para muitos, Luiza Erundina foi eleita prefeita de São Paulo. E cumpriu a promessa feita à comunidade do skate. Liberou a prática do skate em São Paulo ainda no primeiro mês de governo e estabeleceu políticas públicas para a melhoria da prática do esporte em toda cidade.

São Paulo se tornou, ao longo de 30 anos, o epicentro do skate no país. Pistas públicas de skate foram inauguradas ao longo de várias gestões, porém, tudo começou por causa da paraibana Luiza Erundina.

O skate brasileiro hoje é uma indústria importante, que também cumpre uma importante função social, e agora é história, com medalha nas modalidades masculina e feminina em Tóquio 2020, primeira vez que o esporte é disputado nas Olímpiadas. A medalha de Kelvin e Rayssa tem um pezinho de Erundina.

Aliás, Kelvin sabe disso. “Obrigado por acreditar no skate“, respondeu o medalhista olímpico ao comentar tweet de Erundina o parabenizando.

Mulher, nordestina e de esquerda foi na contramão para fazer história, e hoje colhe seu legado. A paraibana Luiza Erundina também é medalhista olímpica.