As eleições presidenciais de outubro podem ter o maior número de debates da história, mas os possíveis confrontos correm o risco de serem realizados sem a presença dos dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
Ao todo, organizadores negociam com as campanhas políticas regras para a realização de dez debates no primeiro turno e outros seis no segundo, caso ocorra.
Se todos esses eventos forem realizados, será batido o recorde da disputa de 2010, quando Dilma Rousseff (PT) se elegeu pela primeira vez. Naquele ano, nove debates foram organizados no primeiro turno e outros quatro no segundo.
A campanha de Lula tem defendido a realização de apenas três debates no primeiro turno, por meio de um pool de emissoras. A de Bolsonaro sequer tem enviado representantes para as reuniões com os órgãos de imprensa, segundo as campanhas.
Diferentemente das propagandas na TV e no rádio, em que os candidatos são apresentados sob o verniz do marketing eleitoral, os debates submetem os concorrentes, ao vivo, ao escrutínio de adversários e jornalistas.
A campanha de Lula divulgou uma carta aberta à ANJ (Associação Nacional de Jornais) e à Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) afirmando reconhecer a relevância dos debates, mas dizendo não ser menos importante o contato direto dos candidatos com os eleitores.
“Dentro do exíguo período de 45 dias de campanha eleitoral, determinado pela legislação em vigor, tal programação de debates, concentrados na capital de São Paulo, é incompatível com a agenda política e a realização de atos públicos de campanha, que exigem deslocamentos pelas 27 unidades da federação”, diz a nota, assinada pelos presidentes de PT, PC do B, PSB, PSOL, PV, Rede e Solidariedade.
Em resposta, a ANJ e a Abert, também em carta, ressaltaram na terça-feira (28) ser facultado aos veículos a realização de debates — no caso de TVs e rádios, mediante regras acordadas com as campanhas — e afirmaram que não são partes legítimas para tratar do tema.
“Os debates eleitorais no rádio, na televisão e nos jornais integram a programação normal das emissoras e/ou a linha editorial dos veículos, sem qualquer participação ou ingerência das subscritoras.”
Procurada, a campanha de Bolsonaro afirmou que, por enquanto, nada está definido. O presidente já deu declarações afirmando ter intenção de participar de debates só em um eventual segundo turno.
Apesar da indefinição dos políticos que lideram as pesquisas, há entendimentos com campanhas para possível realização de debates por CNN Brasil, TV Band, TV Jovem Pan News, TV Globo, Folha/UOL e SBT/Estado de S. Paulo/Veja/Rádio Nova Brasil (1º e 2º turnos), além de Rede TV, O Globo/Valor/CBN, CNBB/TV Aparecida e TV Cultura (1º turno apenas).
Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado nas pesquisas, afirmou por meio de sua assessoria que os debates seriam uma “oportunidade de ouro” de enfrentar e “desmistificar” Bolsonaro e Lula.
“Quem conhece de perto os dois seria capaz de apostar que eles irão fugir. Mas quem conhece de perto o sentimento que está crescendo no subterrâneo destas eleições, sabe que será muito difícil que eles tenham coragem de correr este risco. Em suma, acho que eles tentarão fugir mas não conseguirão.”
André Janones (Avante) afirmou que conta com os debates como uma das principais vitrines, mas que não acredita que Bolsonaro ou Lula irão comparecer.
“Para mim é fato que eles não estarão, lamento muito. O que eu posso fazer é ir e aproveitar esse espaço para apresentar minhas propostas, falar quem eu sou, me apresentar.”
Simone Tebet (MDB) disse considerar a participação dos candidatos em debates “mais do que fundamental neste 2022, em que chegamos ao ponto de ter que defender a democracia”.
“Quem fugir do confronto público de ideias estará retirando dos eleitores um importante instrumento de participação popular na escolha do próximo presidente da República. E que tem meu empenho para que seja uma mulher”, disse.
Embora haja limitações provocadas por formatos engessados e pela obrigatoriedade legal de alto número de participantes (todos os candidatos de legendas com mais de cinco congressistas), os debates fazem parte da história político-eleitoral brasileira há quatro décadas.
O primeiro de uma campanha presidencial no Brasil foi realizado pela TV Bandeirantes em 17 de julho de 1989, ano da primeira eleição direta para a escolha do ocupante do Palácio do Planalto após o fim da ditadura.
Aquelas eleições registraram ainda outros sete debates, no primeiro e segundo turnos, ocasiões em que os eventos tiveram momentos que depois entraram para a história, como o acalorado bate-boca entre Leonel Brizola (PDT) e Paulo Maluf (PDS).
O primeiro chamou o segundo de “filhote da ditadura”, ao que Maluf respondeu taxando o adversário de “desequilibrado”.
O duelo entre os dois e outros embates podem ser assistidos no compilado abaixo, que a Folha publicou em 2018.
De 1989 para cá, as oito disputas presidenciais envolveram a realização de mais de 50 debates, com destaque para os 13 de 2010. Em 1998 ocorreu o oposto, não houve confrontos.
O fenômeno de 1998 é explicado em parte por uma postura que vem desde a primeira eleição pós-redemocratização e perdura até hoje: a em geral resistência dos favoritos a ir a esses eventos.
No cálculo eleitoral dessas campanhas, um favorito tem muito mais a perder do que a ganhar se submetendo ao escrutínio de um debate.
Foi o que fez Fernando Collor de Mello (PRN) em 1989, faltando a todos os seis confrontos do primeiro turno. No segundo, ele participou dos dois debates realizados por um pool das quatro principais TVs à época (Globo, Bandeirantes, Manchete e SBT).
Em 1998 foi a vez de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), candidato à reeleição, faltar a todos os debates do primeiro turno. Ele venceu a disputa sem necessidade de segundo escrutínio.
Oito anos depois, em 2006, Lula também se ausentou dos debates da fase inicial de sua tentativa a reeleição. Depois, participou dos quatro debates do segundo turno contra Geraldo Alckmin (então no PSDB).
Em 2018, Jair Bolsonaro (então no PSL) foi aos dois primeiros debates, realizados pela Band e pela Rede TV, em agosto. Após sofrer uma tentativa de assassinato, em 6 de setembro, o então candidato ficou hospitalizado até o dia 29 daquele mês, cerca de uma semana antes do primeiro turno.
Ele disputou a segunda fase com Fernando Haddad (PT), mas não participou de debates.
O candidato que mais foi a esse tipo de evento na história foi Marina Silva (Rede), com 21 presenças nas eleições de 2010, 2014 e 2018. Em nenhuma delas Marina passou para o segundo turno. Logo a seguir vem Lula, que disputou cinco eleições e participou de 18 debates.
“O debate tem suas limitações, como todas as outras fontes, como o programa eleitoral, entrevistas para um veículo de imprensa, uma fala em um palanque. O importante é olhar o conjunto. O debate tem um lugar nisso, e é importante”, afirma Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil
De acordo com ele, só uma postura da população no sentido de punir eleitoralmente aqueles que se recusam a participar de debates seria uma forma de fortalecer o mecanismo.
“Quando um candidato decide a não ir a nenhum debate, você claramente vai ter um eleitor menos informado para decidir e isso é o pior para a democracia. Uma vez que o precedente histórico foi estabelecido sem maiores custos eleitorais, infelizmente os políticos optam por não ir a debates e quem sai perdendo é o eleitor e a democracia.”
Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, ressalta a importância de o eleitor conhecer os candidatos de forma direta e não maquiada diretamente pelo marketing eleitoral, mas critica o modelo.
“Você pega todos os candidatos, uns super expressivos como um presidente da República, e candidatos que estão ali para simplesmente ficarem conhecidos, chegam a ser folclóricos. Consigo compreender isso do ponto de vista da lei, mas do ponto de vista seja do jornalismo, seja do esclarecimento da opinião pública, é um desastre.”
Ele afirma ver com bons olhos a proposta de pool feita pela campanha lulista.
“As intenções podem até ser outras no sentido de arrumar uma desculpa para não participar, mas precisava ser feito em pool para que ele alcançasse mais gente, para que ele fosse mais efetivo e para que a população conhecesse os candidatos que de fato têm condições, os candidatos que de fato estão na disputa.”
Folha